Resenha] Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a
teoria e a prática
Alfabetizar
e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática segue a risca o conceito que
carrega em seu nome. Desde o primeiro capítulo, a autora desenvolve uma
conversa gostosa com os educadores que se propõem a ensinar as Letras a
crianças, jovens e adultos.
Dividindo
sua obra em três partes, Marlene Carvalho consegue esclarecer as dúvidas e
angústias dos professores. A princípio (na parte I), o livro trata dos métodos
de alfabetização. Logo em seu primeiro capítulo, a autora nos induz a uma
reflexão sobre a visão que temos da alfabetização, resgatando relatos de como
escritores famosos (Ana Maria Machado e Graciliano Ramos) aprenderam a leitura
e a escrita. Seguem ainda dois capítulos que se contrastam: um dedicado aos
métodos sintéticos de alfabetização (soletração, silabação, fônicos) e outro
aos métodos globais (de contos; ideovisual, de Decroly; natural, de Freinet; de
base linguística ou psicolinguística; natural, de Heloisa Marinho; método Paulo
Freire*). Finalizando esta parte, têm-se mais dois capítulos dedicados ao
trabalho com texto na alfabetização (sejam eles orais ou escritos) e exemplos
de lições de leituras. Falando do trabalho com textos, pode-se destacar o
empenho de Carvalho em sanar dúvidas sobre como se preparar para ensinar a
leitura e a escrita, como escolher um texto e saber qual deles é o melhor tipo
de para determinada atividade. Já a cerca das lições de leitura, os dois
exemplos citados nesse capítulo, ilustram bem como articular a teoria com a
prática, comparando atividades proposta a partir dos métodos de alfabetização
anteriormente apresentados.
A segunda
parte da obra dedica-se ao letramento e começa justamente desmistificando e
desmembrando o que é “alfabetizar” e o que é “letrar”. A seguir encontramos
reflexões – sempre pautadas em exemplos e/ou experiências – sobre como formar
leitores que sejam críticos a ponto de saber interpretar o que por eles é lido.
Temos também três capítulos dedicados à inserção de três gêneros de textos em
sala de aula: histórias, poesia e carta. Com exemplos de atividades Marlene
Carvalho mostra como os diversos textos podem ser (melhor) explorados pelas
crianças, jovens e adultos, mesmo que eles não dominem completamente a leitura
e a escrita.
Já na
terceira parte; tem-se, então, um diálogo da teoria com a prática, que traz
falas de alunos, professores e outros pesquisadores do processo. Nesta parte
encontram-se depoimentos (relatando o ponto de vista não apenas das
professoras, mas também o que os alunos pensam sobre o ato de ler), textos
feitos por educandos e criações literárias que nos fazem pensar não só sobre o
papel da alfabetização e do letramento em nossa sociedade, mas também sobre
como o professor responsável por este processo é visto pela sociedade e por si
mesmo.
O que
chama a atenção nesta obra relaciona-se ao fato de tudo isto ser explicado de
forma simples e direta. Tudo aquilo que é dito pelos grandes pensadores
(Freinet, Freire, Vygotsky, Piaget, Ferreiro, Morin, Perrenoud e tantos outros
citados) é articulado à prática da realidade vivida pela maioria das
professoras de nosso país (que trabalham em dois ou mais turnos e/ou escolas
para ter um salário que as sustentem, que não se sentem preparadas para
alfabetizar, que recebem alunos com todos os problemas psicológicos e
socioeconômicos possíveis, que não participam de um programa de formação
continuada ou que ao participar de algum curso sobre a temática são obrigadas a
“engolir goela abaixo” as teorias ali vistas, que sofrem preconceito pela
escolha de sua profissão etc.). É notável como Marlene Carvalho faz a teoria
ser vista na prática de uma forma natural, envolvente e como ela consegue
desmistificar tudo o que os grandes pensadores pensam para mostrar que é
possível fazer uma educação de qualidade, mesmo com tantas adversidades.
Outro
ponto de destaque está no empoderamento que a autora defende que o professor
tenha. Para ela, o docente deve ter liberdade de escolher quais teorias seguir
– e de mesclar o que pensa ser necessário –, deve também ter o direito de
construir seu material, de trocar ideias com outros docentes, de buscar novos
caminhos. Ao contrário do que muitas vezes acontecem, os educadores não devem
apenas aceitar o que vem das universidades (muitas vezes como fruto de
pesquisas), mas sim procurar novos caminhos, tentar entender as suas práticas –
sistematizando e compartilhando o resultado destas reflexões – ser não só
professor, mas assumir um papel de professor-reflexivo.
Por fim,
mas não menos importante, deve-se destacar que este livro abre caminho para o
aprofundamento de novas pesquisas relacionadas ao assunto, uma vez que ao final
da maior parte dos capítulos há referências bibliográficas nos instigando
prosseguir por novas veredas.
Ficha
Técnica:
Obra: Alfabetizar e letrar: um diálogo
entre a teoria e a prática
Autora: Marlene Carvalho
Editora: Vozes
Número de
páginas: 142
Ano da
publicação:
2005
________________________
*A
respeito da parte relativa a Freire, deve-se lembrar que, embora Marlene de
Carvalho se refira a um “Método Paulo Freire”, as ideias de tal autor não
constituíam somente desta forma. Conforme o próprio Paulo Freire defende, sua
teoria ultrapassa as barreiras de um método, ela é epistemológica e objetiva a
formação de um sujeito que, além de ler as palavras, leia o mundo (ou seja,
conheça seus direitos e deveres e contribua para a sociedade de uma forma
justa, ética e consciente, libertando-se do papel de oprimido):
"A
realidade não pode ser modificada, senão quando o homem descobre que é
modificável e que ele pode fazê-lo. É preciso, portanto, fazer desta
conscientização o primeiro objetivo de toda educação: antes de tudo provocar
uma atitude crítica, de reflexão...